Conto de introdução : Canny
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Depoimento de Canny – por Salomon
Meu nome é Adam, mas vocês me conhecem hoje
simplesmente como Canny, talvez por que esse nome lembra um pouco a raça dessa
criatura pela qual eu tenho o poder de tomar forma, só que muito diferente dos
outros de minha espécie.
Quando estou em minha forma
amaldiçoada, eu ganho até cinco vezes mais o tamanho e a força de um deles, e
diferente dos lobisomens convencionais, eu tomo a forma completa de um lobo
comum de pelugem branca, além de conseguir manter a minha mente inalterável,
assim podendo raciocinar como humano independentemente dos instintos de animal
carnívoro irracional que havia dentro de mim.
Sim eu posso me transformar em um lobo de pelos brancos e com até cinco
vezes seu tamanho e força de um lobo comum, isso devido a maldição que foi talhada
em alma, e que lá habitaria até o ultimo dia de minha vida.
Há muitos anos atrás, ainda em
minha infância, eu costumava ficar brincando com Keibow meu cãozinho de
estimação, o mais fiel e único amigo que eu tive até então, meu cão estimação,
costumávamos brincar correndo nos divertindo pelas terras do nobre rico.
Eu era filho de camponeses pobres, meus pais
eram servos do nobre rico, morávamos em uma pequena casinha em suas terras onde
cuidávamos, tratávamos, plantávamos e como recompensa poderíamos morar em suas
propriedades e ficar com metade do que o nosso trabalho árduo rendia,
trabalhávamos como escravos. Essa a forma encontrada por meu pai para a nossa
sobrevivência.
Eram extensas as terras do nobre,
sua propriedade se estendia desde sua mansão até onde a vista alcançasse, para
meu pai minha mãe e eu era um sufoco, um fardo pesado e rotineiro trabalhar
tanto naquelas terras, todos os dias com exceção dos domingos que podíamos
descansar o dia inteiro devido as tradições religiosas da região.
Em um desses domingos, lembro-me
como se fosse ontem que Keibow latia bravamente contra o horizonte contra algo
longe das terras do nobre rico, enquanto eu apenas apreciava o momento na
presença de meu amigo Keibow, o calor daquele finalzinho de tarde, o sol se
pondo, queimando minha pele vermelhada, o vento soprando em minha face,
sentindo o perfume daquela vegetação que nos cercava comtemplando a visão de
ver aquele fruto de meses e meses de trabalho árduo, aquilo simplesmente me
satisfazia.
Enquanto eu desfrutava daquelas sensações
simples e prazerosas daquele domingo, Keibow continuava latindo contra algo no
horizonte, aquela altura o sol já havia se posto totalmente e a noite se
aproximava mais e mais, a lua começava a subir alto expondo sua beleza, e então
Keibow que até então se mantinha ao meu lado, correu em disparada rumo ao
horizonte onde ele devia ter visto algum pássaro ou algo semelhante pousar nas
terras, eu como não tinha nada mais interessante para o meu entretenimento
daquele domingo chato, corri atrás de Keibow, este já se encontrava tão
distante e ainda correndo, que só depois de sete minutos correndo naquela
direção ele havia cessado com a correria e com os latidos então eu o alcancei,
ele estava parado frente a uma floresta densa com arvores altíssima e galhos
poucos folheados, naquele momento lembrei-me de todas as historias sobre
criaturas medonhas e fantásticas que meus pais haviam mencionado que moravam
naquela floresta.
Eu nunca acreditei em histórias de lobisomens,
mas depois daquele episodio macabro de minha vida, eu repensava sobre meus
temores.
O que eu percebi foi que Keibow já
não latia corajosamente contra algo que ele havia percebido naquela floresta,
agora ele simplesmente soltava no ar, sons tristes de um choro melancólico
canino, então me pus ao seu lado e o abracei tentando entender o que havia
deixado meu pobre amigo daquele jeito, tentei conforta-lo, reanima-lo, pois eu
amava aquele individuo como um irmão, em fim.
O sol já havia desaparecido completamente e a
noite já havia caído, aquela altura a lua cheia já exibia toda sua majestosa
beleza no céu, então uma rajada de vento estranha e misteriosa fez com que
todas aquelas arvores dançarem e estremecerem desesperadamente, meu coração
acelerou muito rápido, abracei ainda mais forte o pobre Keibow que já teria
fugido se eu não o apertasse tanto em meus braços.
Acho que por sorte meu pai havia notado a
minha ausência em nossa pequena casinha, ele sempre me dizia para ficar longe
daquela floresta, e devido aquela rajada
de vento que lhe chamou a atenção ele deve ter deduzido certeiramente que era
lá que eu estava.
A lua brilhava alto exposta no céu
e a noite já havia caído totalmente e então eu ouvi, o som de dezenas de corvos
surgindo da floresta e voarem por cima de mim, fazendo aquele barulho
característico que só aqueles pássaros negros conseguem reproduzir. O susto foi
tão grande que eu literalmente gelei ali no local, o medo e o susto haviam me
paralisado, parecia que o sangue em minhas veias havia parado de correr com
tanto medo, e eu não conseguia criar coragem para me movimentar.
Keibow assustado se debatia em meus braços
querendo fugir, pressentindo o perigo que se aproximava, enquanto eu o
aprisionava meus braços congelados pelo medo, então houve um curto momento de
silencio que predominou por menos de segundos, foi aí que eu ouvi aquele som
que todos daquela região temiam, o som estremeceu por todo o lugar, o som que
toda criatura da terra temia, que penetrava na alma e amedrontava todos que conheciam
a sua origem, era o uivo estridente de um lobo, ou melhor, um lobisomem
carnívoro sedento por carne.
Fiquei ainda mais apavorado, meus cabelos se
arrepiaram de medo, e Keibow havia conseguido se libertar de meus braços
fugindo m direção a nossa casa, fugindo da criatura que se aproximava pela floresta, a mesma coisa
que havia assustado aqueles corvos, que uivava para a lua cheia e se aproximava
de mim.
Em um momento eu ouvi a voz de meu
pai me mandando correr dali, foi exatamente o que eu fiz , seguindo o mesmo
caminho que Keibow havia feito para fugir, enquanto meu pai armado com sua
carabina alemã corria em minha direção, e então ele olha para mim com aquela
expressão de horror desespero cravada em seu rosto, de repente ele gritou para
mim:
- “corre!!!”
Houve
uma pausa para pegar folego e novamente ele gritou:
-cuidado!!!-
Foi então que enquanto eu corria
ligeira e apressadamente dei uma leve olhada para trás sem diminuir a minha
velocidade, e pude notar que enquanto eu corria desesperado, que uma criatura
com dentes enormes e uma pelugem cinza e olhos cintilantes amarelados me seguia
quase me alcançando, por diferença de menos de vinte metros, era um lobisomem
magro sedento de fome perseguindo-me ferozmente louco para me devorar.
Eu pressentia que seria pego, meu pai também havia percebido que eu
seria alcançado sem chance de escapar, a criatura corria muito mais rápido que
eu, e então eu ouvi o estrondo do disparo da arma de meu pai, senti o projétil
voar a centímetros de meu ouvido e se encontrar com a criatura atrás de mim, só
ouvi o barulho de algo atrás de eu cair pesadamente no chão.
Por um momento senti que aquele disparo havia
sido a minha salvação, com o susto do tiro e também com a sensação de alivio,
me soltei ao chão exausto e sem folego, recuperando o oxigênio que faltava em
meus pulmões.
E então nesse curto momento de paz, a
criatura caída voltou a se mexer, logo já estava de pé sobre duas patas e
saltando em minha direção, meu pai ainda recarregava sua arma apressadamente
desesperado, e eu era erguido pela criatura que me segurava com suas garras e
me atacando o ombro com uma mordida violenta agonizante, a única reação diante
da situação que eu me encontrava naquele momento de desespero era gritar com
todo o ar de meus pulmões agonizando enquanto eu sentia os dentes daquela
criatura cravando em meu ombro.
Parecia que aquele era o meu fim, a dor era
muito forte , só me restava agonizar e aceitar a morte enquanto aquela criatura
me devorava , foi então que Kaibow surgiu por trás dela cravando seus dentes
exatamente no pescoço vulnerável da criatura, ficando presa ali mesmo, a
criatura soltou um rugido horrendo e estridente de dor, me largando no chão
quase morto e se contorcendo para tirar keibow de suas costas.
Eu já estava cansado e exausto
demais, fraco e abatido não conseguia forças para fugir dali, sentindo a morte
se aproximando de mim, a sensação que dá na pele quando sente o frio gélido da
morte, a sensibilidade em perceber as coisas em sua volta, os olhos conseguiam
acompanhar uma cena de milésimos em segundos, o tempo parecia correr mais
devagar, e a morte se aproximava cada vez mais, eu só pude olhar para a lua
cheia radiante alta no céu, vislumbrando sua beleza, enquanto ao mesmo tempo a
criatura conseguia arrancar Keibow de suas costas segurando-o pela cabeça e
abrindo sua mandíbula ao extremo rasgando-o pobre coitado ao meio e largando
seu corpo próximo a mim, foi um horror ver a cena do meu único e fiel amigo
morrer brutalmente daquela forma, pobre coitado que havia se sacrificado para
me salvar, as imagens continuam bem vivas em minha mente até hoje.
Meu pai que já havia recarregado a
arma, agora avançava contra a criatura para tentar me ajudar, mas antes que ele
pudesse chegar mais perto, a criatura saltou em um impulso vindo cair sobre meu
pai que disparou o tiro acidentalmente para o ar, o tiro não seria o bastante
para salva-lo agora pois a criatura já estava caída sobre ele devorando
ferozmente e faminta, deliciando-se da carne de meu pai que não podia mais
reagir, não podia mais se salvar.
Eu ainda ferido, apreciava com jubilo a linda
e radiante lua cheia, a morte demorava a me encontrar, o tempo passava
lentamente e dentro do meu corpo eu sentia uma reação diferente de tudo que já
sentira antes, talvez fosse essa a sensação que sentimos quando estamos
morrendo, mas eu estava enganado, eu senti meus batimentos cardíacos acelerarem
muito rapidamente, senti o sangue ferver em minhas veias, minha pele ganhava
uma pelugem branca exótica e meus ossos estalavam sofrendo uma mutação
dolorosa, quase insuportável, meu corpo começava a ganhar volume
apressadamente, logo eu já estava tão grande quando aquela criatura que
devorava meu pai, em fim. Eu havia me transformado em um lobo, o que era estranho,
pois sempre achei que quem fosse mordido por uma fera dessas se tornava uma
fera como ela, um lobisomens, meio humano meio lobo, mas com o instinto
assassino carniceiro devastador, além de ser irracional.
Eu notei logo que era diferente, eu havia
ganhado mais tamanho e mais força, e a forma completa de um lobo com pelugem
branca, dentes afiadíssimos como facas, e um leve instinto trucido que eu podia
controlar, eu podia racionar, pensar, refletir e ter consciência de meus atos.
Eu não era como aquela criatura bestial que devorava meu pai sem a concepção do
que estava fazendo, vendo aquela cena horrenda eu rosnei furiosamente um som
que jamais ouvira antes, tão estridente que e apavorante que deixou aquela
criatura alerta de minha presença, ela se virou para trás e se deparou comigo,
logo já estava encolhido ali no chão, soltando aqueles gemidos melancólicos de
choro como um cachorro amedrontado.
Mas o meu rugido estridente e furioso ecoou
mais alto, e não tive o mínimo remorso quando ataquei aquela criatura com toda
a minha exaltação, pus minha pata sobre sua cabeça imobilizando sua mandíbula
para ela não me morder, enquanto com a outra eu pousava sobe seu peito e
abocanhava com ódio a sua perna, enquanto abocanhava ele agonizava até a morte,
então sem dificuldades eu consegui facilmente arrancar-lhe a perna
desmembrando-a do seu corpo, triturei-a com apenas três mordidas dentro de
minha boca antes de engolir.
A essa altura seu corpo já estava
sem vida, sua morte estava trazendo sua verdadeira forma, a forma humana, e aos
poucos ele perdia sua forma monstruosa, logo ela já tomava a forma totalmente
humana, e pude notar através de seu corpo nu que aquela monstruosidade que
havia me atacado e tirado a vida de meu pai e de keibow, se tratava de uma
mulher, mesmo toda encharcada com aquele sangue eu pude notar o quanto ela era
jovem e bonita, então eu tirei minha pata de sua cabeça e pude ver o seu rosto.
Maldita seja a ironia do destino, a surpresa funesta que tive quando
tirei minha pata e vi o seu rosto, vi que aquela jovem moça que eu havia
acabado de tirar a vida era a minha própria mãe, fiquei horrorizado e
indescritivelmente abalado.
Desde então não fui mais o mesmo,
fugi para as montanhas e vivi em cavernas, alimentando-me de outros animais,
sempre com as lembranças atormentadoras do massacre da minha família, a minha
vida estava amaldiçoada, uma maldição que eu levaria até o ultimo dia de minha
vida, maldita seja a ironia do destino.
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